20, 21 de stembro de 2018
Faculdade de Letras da Universidade do Porto

“L’écrivain est en situation dans son époque: chaque parole a des retentissements. Chaque silence aussi”. Esta frase de Sartre ainda não perdeu a sua actualidade, sobretudo em relação à crise migratória dos nossos dias. Mas também é preciso lembrar que a queda do Muro de Berlim deu início a uma crise intelectual, associada ao final de uma época. Nasceu a necessidade de deixar para trás certos mitos culturais, coloniais e nacionalistas, e esta mudança fez-se acompanhar pelo sentimento de desilusão que Walter Benjamin designara por “melancolia da esquerda”. A poesia não ficou à margem destas e de outras mudanças fundamentais e, nas palavras de Gabriel Zaid, “pode ser tão útil ou inútil para ilustrar o mundo como a prosa”, especialmente no que diz respeito à conveniência de mudanças sociais, políticas, económicas, etc.

Neste sentido, este Colóquio Internacional, uma iniciativa do projecto de investigação POEPOLIT da Universidade de Vigo e do Grupo Intermedialidades do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa (FLUP), pretende estudar alguns aspectos centrais do carácter político de expressões poéticas actuais no Ocidente. A partir de análises textuais e do estudo de fenómenos intermediais, queremos discutir se a poesia e os poetas deveriam ser mais amplamente reconhecidas/os como agentes portadores e potenciais conformadores de uma visão ou epistemologia especial; queremos avaliar qual é a sua influência sobre a sociedade e, em caso afirmativo, saber se a sociedade reconhece essa influência. Pretendemos identificar as consequências ou os riscos implícitos para uma expressão poética que se assume como apolítica ou ‘separada’ da sociedade; e queremos saber como podem expandir-se os atuais horizontes do político através de novas linguagens e de novos acontecimentos poéticos e críticos, sejam estes verbais, intermediais ou interartísticos.

Interessam-nos as práticas de mediação poética e a sua incidência política; as práticas de intervenção política, particularmente nos repertórios de protesto dos movimentos sociais contemporâneos; a relação entre poesia e política a partir da noção e figura autoral; e ainda a relação entre poesia e política na cidade neoliberal.

No contexto da investigação em poesia contemporânea, é usual encontrar perspectivas diversas sobre a relação que se estabelece entre a poesia e os regimes identitários, estéticos ou ideológicos. Indo para além de qualquer aproximação textualista, seja concebendo a poesia como exemplo da produção cultural contemporânea, seja como bastião de resistência ante ideias e práticas que buscam homogeneizar as experiências de vida, consideramos essencial problematizar as formas de poesia ou as expressões poéticas em contacto com o social e o político.

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Para debater estas questões, reunimos especialistas de dez países e âmbitos geo-culturais diferentes. Em duas conferências e oito mesas-redondas queremos abordar as relações entre o poético e o político a partir de perspectivas filosóficas e teóricas, do comparatismo e da hermenêutica. Interessa-nos saber como convergem as práticas poéticas em diferentes espaços, sistemas, textos ou corpos, relacionando o público e o privado, a oralidade e a performance; e ainda avaliar os efeitos da era digital; as figurações literárias do lisérgico, da excrescência, mas também da calocracia (domínio da beleza), da razão higiénica, das normas e da entropia; queremos refletir sobre as próprias noções de “poético”, “happening”, “performance”, e sobre outros géneros literários e comunicativos em que o poético se manifesta (slogans, canções, hinos, manifestos ou tweets).

Examinaremos criticamente o poético e o político considerando os limites e conflitos da (in)comunicação social; da sociocrítica, habitualmente centrada no estudo da ficção narrativa; mas também teremos em conta a presença de uma crítica das relações políticas e sócio-económicas nas obras de diferentes poetas contemporâneos europeus e da América Latina. Queremos refletir sobre o discurso poético de diferentes contextos sócio-culturais e de ressonâncias sociais e políticas diversas. Interessa-nos o contacto entre a política e a vida quotidiana, a rebeldia e a filosofia, mas também a alienação e as diferentes formas de violência que prejudicam a co-existência integrada do humano e do não-humano: a neoliberalização das cidades, a turistificação, a invasão dos espaços naturais, etc.

Também nos propomos visibilizar as diversas estratégias desenvolvidas pelas autoras para posicionar-se no campo literário, para configurar novas genealogias poéticas. Partindo das perspectivas dos diferentes feminismos, queremos debater e revisar conceitos como a autoria, o ethos, o sujeito poético, o sujeito corporizado, a genealogia literária e a intervenção pública e política.  Tentar-se-á mostrar como os debates atuais sobre as teorias feministas e de género podem constituir um espaço de resistência, e, a seu lado, ser a poesia um poderoso veículo de contradicção ao sistema económico neo-liberal que perpetua o modelo patriarcal, sexista, racista, heterossexual e antropocêntrico.

Falar-se-á, concretamente, de onze âmbitos sócio-culturais (Argentina, Brasil, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Galiza, México, País Vasco, Perú, Portugal) e de mais de 20 poetas (Adília Lopes, Alberto Pimenta, Antón Reixa, Armando Silva Carvalho, Chus Pato, Fernando Merlo, Grecia Cáceres, Itxaro Borda, Jaime Labastida, Jarid Arraes, Jorge Castro, José Humberto Chávez, José Miguel Silva, Juan Ortíz, Liliana Lukin, Lupe Gómez, Manuel Gusmão, Minerva Margarita Villarreal, Ron Rash, Roxana Crisólogo, etc.), junto com as intervenções artísticas e musicais do brasileiro Luca Argel e do grupo galego CintaAdhesiva.

Esta análise cruzada de práticas e discursos de resistência poética na actualidade, ajudar-nos-á a reavaliar os efeitos do performativo e da eficácia política, permitindo-nos actualizar a nossa concepção do poético; também no sentido daquilo que Roberto Saviano descreveu, recentemente, como

[a] dualidade de sempre: a arte que toma partido e a outra que soberbamente decide não fazê-lo. Aquela que se sente superior a esta em nome do compromisso social, e a segunda que se sente superior à primeira enquanto defensora do seu direito à pureza do desinteresse. Frágeis barreiras ideológicas que desabam face aos mortos no mar e às contínuas mentiras..

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